26.10.15

O Almanaque Borda d’Água

O Almanaque Borda d’Água é, talvez, a mais antiga publicação do género em Portugal. Anualmente são vendidos milhares de exemplares aos agricultores e demais interessados de todo o país, que religiosamente o seguem. «Nunca falha», afirmam alguns dos seus leitores.
Certo dia perguntaram ao poeta leiriense Afonso Lopes Vieira qual era o seu livro de cabeceira. Com o humor que lhe era reconhecido respondeu: «O Almanaque Borda d’Água».
Tal era a fama desta publicação, lida e desejada por letrados, agricultores e demais interessados em saber as luas, as marés ou outras importantes informações agrícolas e meteorológicas, que ao longo dos anos o Almanaque Borda d’Água almejou que hoje é difícil conseguir definir qual a data da sua primeira edição. Perde-se nos tempos e na memória.
O exemplar mais antigo que tive oportunidade de consultar é do ano de 1851, impresso em Coimbra pela Imprensa da Universidade e propriedade da viúva de Lourenço João Bernardo. Nesse tempo já ele era apelidado de «o verdadeiro e mais antigo Borda d’Agua», mas com outro nome à cabeça: «Lunario, Prognostico e Diario» (edição de 1858), escrito por «Antonio de Sousa, astronomo lusitano, um maltez da Borda d’Água e Beira» e considerada uma «obra utilissima, segundo as regras astronomicas, aos lavradores, pescadores, pomareiros, hortelões, jardineiros e caçadores». Ainda no frontispício uma quadra alertava os leitores para a veracidade da publicação:

«Acautelae-vos, Freguezes,
De quem vos quer enganar;
Só eu sou o verdadeiro,
O Borda d’Agua sem par».

Tais indicações pressupõem que a publicação era muito anterior à data de 1851. Como era um folheto que muito se vendia, bastas também foram as edições fraudulentas que se editaram, estando o verdadeiro editor alerta e avisando os seus fregueses.
Vendia-se, naqueles tempos, na Rua das Fangas, em Coimbra, na loja da viúva de Lourenço João Bernardo, onde também se vendiam «livros, novellas, tragedias de todas as qualidades, comedias entremezes, e historias curiosas», em Braga, Lamego, Mangualde, Trancoso, Viseu, aos cuidados do «cego Bonifacio José dos Sanctos», em Aveiro «e em todas as feiras, aonde elle se achar». E assim foi durante muito e muitos anos, disseminando-se por todo o Portugal, de lés a lés.
Com o passar dos anos o Almanaque Borda d’Água foi sofrendo alterações, tanto a nível gráfico, tamanho e qualidade de papel, como de boneco, característica essa que bem o identificava perante os leitores, muitos deles analfabetos, que o davam a ler a quem soubesse, para que lhes dessem conta das informações nele contidas.
Até aos anos sessenta, pelo menos, continuou a ser publicado em Coimbra, sendo nesta temporada pertença de Manuel Teixeira, primeiro, e depois sua filha, Deolinda Teixeira, que continuou a publicar o Borda d’Água.
Numa edição para o ano de 1940 surge já como «Repertório», designado como o «mais antigo e mais acreditado». Também no seu frontispício se inserem duas estrofes versejadas, uma delas carregada com um teor nacionalista, bem ao jeito da época:

«Tenho honra em ter nascido
Neste belo Portugal.
Dele já fala o mundo inteiro
Por ter progresso e dinheiro
E um Govêrno sem igual.»

Pouco tempo depois, conta-se, não há provas concretas, terá existido uma edição do Almanaque Borda d’Água que foi apreendida pela PIDE e os seus editores a braços com uma série de problemas. O problema teria sido causado pelas citações de carácter generalista, que habitualmente compunham as páginas, terem sido trocadas por citações de Lenine, Marx e Engels. Contam os editores que desconheciam essas mesmas frases, outros apontam os tipógrafos como os autores do acto revolucionário. A edição ficou suspensa, mas desde há alguns anos a esta parte, novamente começou a ser publicado, desta feita em Lisboa, como Borda d’Água – O Verdadeiro Almanaque, Reportório útil a toda a gente.
E foi, durante muito tempo, o governo da casa e de muitas famílias, principalmente de agricultores, que por ele se guiavam para as sementeiras, enxertias e podas, entre outros úteis e importantes conselhos.
Para muitos, comprar o Almanaque Borda d’Água era uma verdadeira tradição de família, pois sempre um exemplar existia em casa ou já o pai comprava todos os anos. Disso dá conta o prólogo, na edição do ano 1940, em que diz: «E é tão grande o conceito de que gosa esta acreditada folhinha, tão afamada a sua orientação e a veracidade das suas informações, que raras são as famílias portuguêsas que se dispensam de possuir êste Borda d’Agua, o mais barato de quantos se publicam em Portugal.»
No entanto, o Almanaque Borda d’Água não era só utilizado para consulta. Em tempos mais remotos, quando os calendários não existiam com a profusão dos dias de hoje, certas famílias usavam-no como registo e diário de vários factos e acontecimentos, principalmente, ligados à família, como o falecimento ou nascimento de um parente. De geração para geração se transmitia o passado e o registo familiar.

Obs: este texto é uma versão melhorada e reduzida, de um artigo publicado originalmente no Jornal de Leiria, suplemento Viver, em 2001.

Paulo Moreiras

Prémios

O filme de promoção turística «Região de Leiria - Terra de Maravilhas», em que sou o autor do guião, foi galardoado com dois prémios na 8.ª edição do ART&TUR - Festival Internacional de Cinema Turístico, em Gaia, arrecadando o galardão máximo, o «Grande Prémio para o Melhor Filme Português», bem como o «Melhor Filme» na categoria «Destinos Turísticos». Este filme foi realizado pela Slideshow para a Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria.


Sobre  o ART&TUR - Festival Internacional de Cinema Turístico pode ler aqui.

16.10.15

«Memórias de um médico esquecido»

Memórias de um médico esquecido é o primeiro livro de Amadeu da Cunha Mora, numa edição de autor, publicado em 1947, e enriquecido com as ilustrações de Trilho y Blanco. É uma obra dedicada «ao médico rural, o esforçado cavaleiro da saúde, cuja inglória odisseia ainda está por escrever», como explica o próprio na entrada do livro.
Médico, jornalista, dramaturgo, Amadeu da Cunha Mora nasceu em Pombal em Novembro de 1901, tendo exercido medicina nesta cidade. Fundou e dirigiu o jornal Terra Mãe, foi redactor principal do Notícias de Pombal e cronista no jornal O Eco, onde assinou a coluna À Ponte Pedrinha, entre 1946 e 1950. Escreveu também diversos artigos médicos em revistas da especialidade e em periódicos nacionais. Sob o pseudónimo Fernando Pacheco escreveu artigos para a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.


Ao abrir as Memórias de um médico esquecido o autor alerta o leitor sobre a origem de algumas das suas crónicas: «O culto pela verdade leva-me ainda a prevenir o leitor descuidado de que nem todos os factos que relato são a tradução de autênticos acontecimentos, em que, porventura, desempenhei o papel de primeiro actor». Ao longo de pequenas histórias, o autor vai desfiando um rol de episódios caricatos e caricaturais sobre as suas vivências como médico de província, num registo cheio de humor e vivacidade. Os títulos das suas histórias são, em si mesmas, já um prenúncio da mordacidade que o autor imprime às suas crónicas. A título de exemplo: O Bomba de Choque; Maria dos Anjos, a neurasténica; A Inácia Funga; O Nabo Careca ou O Sousa esticou.
«Embora desmemoriado, vou colher a essa amálgama informe de recordações, alguns tipos que me saíram ao caminho, não como ladrões de estrada, que, de arcabuz, me exigissem a carteira, mas como cidadãos ordeiros e pacatos, e que são, na aguarela corrida da minha passagem pelo Mundo, outras tantas pinceladas de emoção e originalidade», assim define o autor a forma como algumas das personagens entram nos seus relatos.
O livro de Cunha Mora conheceu posteriormente uma edição em castelhano, em 1950, com o título Memorias de un medico olvidado, (Madrid). Também nesse ano, Cunha Mora volta a publicar um livro sobre as suas aventuras médicas, Deixe ver a língua (Coimbra, 1950).
Amadeu da Cunha Mora veio a falecer em Abril de 1984, em São Paulo, Brasil, onde foi fundador da Sociedade Brasileira de Sexologia, à qual esteve ligado durante dez anos.
«Como os vinhos, que, envelhecendo, se enriquecem de éteres perfumados e subtis, assim as minhas obras poderão valorizar-se na poeira dos séculos… Fica-me esta esperança!»

Paulo Moreiras

6.10.15

Festival Terras d'Aire e Candeeiros 2015


No próximo sábado, dia 10 de Outubro, estarei perto de Alvados, na Quinta da Escola, na Serra de Aire e Candeeiros, para falar sobre Pão & Vinho. É a partir das 19h30, em jeito de acepipe para o repasto que se segue. Pelas 14h30, realiza-se um Workshop de pão caseiro e merendeiras (Belmira Paixão e Belmira Pires). Apareçam.

Mais informações e inscrições aqui.